O papel da mesada na educação financeira dos filhos

Mesada pode ser uma ferramenta eficaz, mas precisa de orientação adequada.

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A educação financeira é um tema que, apesar de sua importância, ainda é pouco discutido em muitos lares brasileiros. Segundo uma pesquisa realizada pela Serasa em parceria com o Instituto Opinion Box, 61% dos pais não proporcionam mesada aos filhos, um dado que revela a falta de incentivo ao aprendizado sobre finanças desde a infância. Mesmo entre aqueles que oferecem mesada, apenas 53% conseguem dar até R$ 60 por mês, e o valor geralmente é destinado à compra de lanche na escola (33%) ou para ensinar a poupar para o futuro (32%).

Ensinar responsabilidade financeira desde cedo pode ser uma tarefa desafiadora, mas é fundamental para preparar as crianças para uma vida adulta mais organizada e segura. A mesada, quando bem administrada, pode funcionar como uma ferramenta poderosa nesse processo. Thiago Godoy, educador financeiro da Rico, destaca que a mesada ajuda as crianças a entenderem como o dinheiro funciona, a lidarem com frustrações e a tomarem decisões mais conscientes.

No entanto, é essencial que a mesada esteja acompanhada de uma boa orientação. Oferecer dinheiro sem uma educação financeira adequada pode ter efeitos negativos, fazendo com que as crianças não desenvolvam uma relação saudável com o dinheiro. Os dados da pesquisa mostram que 8 em cada 10 pais dizem conversar com os filhos sobre finanças, abordando temas como produtos caros ou baratos e o que é possível ou não comprar.

Ainda assim, a prática de poupar e investir para o futuro dos filhos não é comum. Apenas 28% dos pais fazem algum tipo de investimento ou poupança para os filhos, e mesmo entre esses, metade não possui uma conta específica para essa finalidade, realizando a ação dentro de suas próprias contas bancárias. Esse cenário pode ser reflexo de uma cultura onde muitos pais, quando crianças, também não receberam educação financeira. O estudo aponta que 56% dos pais não lembram de ter conversado sobre dinheiro com seus próprios pais, um indicador que é ainda mais acentuado entre mulheres e nas classes D e E.

Para mudar essa realidade, é necessário que os pais não apenas conversem sobre dinheiro, mas também sejam exemplos vivos de boa gestão financeira. Nayra Sombra, sócia da HCI Invest e especialista em finanças pessoais, ressalta a importância de incluir os filhos no dia a dia das decisões financeiras e de adaptar a linguagem conforme a faixa etária, aumentando o nível de complexidade progressivamente.

Ao envolver as crianças nas decisões financeiras do dia a dia, os pais podem transformar momentos cotidianos em lições valiosas. Por exemplo, ao planejar uma viagem ou uma compra significativa, os pais podem explicar os custos envolvidos, discutir opções mais econômicas e mostrar a importância de economizar para atingir objetivos maiores. Essa prática ajuda a criança a entender o valor do dinheiro e o esforço necessário para ganhar e poupar.

Uma abordagem prática é utilizar a mesada como ferramenta de ensino. A cada mês, os pais podem sentar com os filhos e ajudar a dividir o dinheiro em categorias como gastos, economia e doações. Essa divisão simples pode ensinar conceitos de orçamento e priorização. Além disso, é importante que as crianças aprendam a lidar com frustrações, como não poder comprar algo imediatamente, o que incentiva a prática da paciência e do planejamento.

Outra estratégia é o uso de aplicativos de educação financeira, que podem tornar o aprendizado mais interativo e divertido. Existem diversas ferramentas no mercado que ajudam as crianças a gerenciar suas mesadas, definir metas e acompanhar seus gastos. Esses aplicativos geralmente são intuitivos e visualmente atraentes, o que pode prender a atenção dos mais jovens e tornar o aprendizado menos tedioso.

Para os pais que desejam ir além da mesada, iniciar investimentos no nome dos filhos pode ser uma excelente ideia. Investir em fundos de investimento, ações ou até mesmo em criptomoedas pode parecer complexo, mas com a orientação adequada, pode se tornar um ótimo instrumento de ensino. Ao explicar como os investimentos funcionam, os pais podem introduzir conceitos como riscos e retornos, além de ensinar a importância de diversificar para minimizar perdas.

Além disso, criar uma poupança para objetivos específicos, como a educação universitária, também pode ser uma maneira eficaz de ensinar sobre a importância de planejar a longo prazo. Envolver as crianças na escolha desses objetivos e no acompanhamento do progresso pode motivá-las a participar ativamente da gestão de suas finanças.

No entanto, é fundamental que os pais se preparem para essas conversas. Muitos adultos não se sentem confiantes para ensinar sobre finanças porque eles mesmos não receberam uma educação adequada nesse sentido. Participar de cursos de educação financeira ou buscar orientação de especialistas pode ser uma boa maneira de adquirir conhecimento e se sentir mais seguro ao transmitir esses ensinamentos aos filhos.

Para superar a barreira cultural da falta de educação financeira na infância, é essencial começar desde cedo e de maneira gradual. A introdução de conceitos simples, como o valor das moedas e notas, pode ser feita com crianças pequenas. À medida que crescem, os pais podem introduzir temas mais complexos, como o funcionamento de um banco, a importância do crédito e como evitar dívidas.

A prática de dar o exemplo é uma das mais eficazes. Crianças aprendem muito mais observando o comportamento dos pais do que ouvindo conselhos. Portanto, demonstrar uma gestão financeira responsável é crucial. Isso inclui pagar contas em dia, evitar dívidas desnecessárias e fazer escolhas conscientes sobre gastos e investimentos.

Por fim, a comunicação aberta é essencial. É importante criar um ambiente onde as crianças se sintam à vontade para fazer perguntas e discutir suas dúvidas sobre dinheiro. Essas conversas devem ser regulares e adaptadas à idade e maturidade da criança. Pais que se mostram acessíveis e dispostos a discutir finanças contribuem para que seus filhos cresçam com uma relação mais saudável e informada com o dinheiro.

Curiosidade: Educação financeira em diferentes culturas

A educação financeira tem sido abordada de maneiras diversas ao redor do mundo, refletindo as particularidades culturais e econômicas de cada região. Um exemplo fascinante vem do Japão, onde o conceito de Kakeibo (um livro de contas doméstico) é uma tradição secular. Kakeibo, que significa literalmente “livro de contas da casa”, é uma prática que incentiva a anotação detalhada de todas as despesas e receitas da família, promovendo uma cultura de poupança e planejamento financeiro.

Introduzido no início do século XX, Kakeibo foi criado pela jornalista Motoko Hani, que visava ajudar as mulheres japonesas a gerenciar melhor as finanças domésticas. O método envolve a reflexão sobre os gastos antes mesmo de realizar uma compra, fazendo perguntas como: “Eu realmente preciso disso?”, “Posso me dar ao luxo de comprar isso?”, e “Como essa compra afetará minha vida?”. Essa abordagem não só ajuda a controlar os gastos, mas também promove uma mentalidade de consumo consciente.

Na Índia, a educação financeira é frequentemente influenciada pelos valores culturais e religiosos, que enfatizam a importância da poupança e da caridade. Desde cedo, as crianças aprendem sobre a importância de economizar e doar uma parte de suas economias para ajudar os necessitados. Essa prática está enraizada em tradições como o Daan, um conceito de doação e caridade que é considerado um dever moral.

Além disso, o governo indiano tem implementado programas de educação financeira para aumentar a literacia financeira entre seus cidadãos. Um exemplo é o “National Centre for Financial Education” (NCFE), que promove iniciativas para ensinar finanças básicas a estudantes e adultos, com o objetivo de criar uma população mais financeiramente inclusiva e consciente.

Nos Estados Unidos, a educação financeira é muitas vezes integrada ao sistema educacional formal. Muitas escolas oferecem cursos de finanças pessoais como parte do currículo de estudos sociais ou economia. Essas aulas cobrem tópicos como orçamento, poupança, uso responsável de cartões de crédito, e introdução aos investimentos. A ideia é preparar os jovens para as realidades financeiras que enfrentarão na vida adulta, evitando assim problemas de endividamento e má gestão financeira.

Esses exemplos mostram como diferentes culturas e países abordam a educação financeira de maneiras únicas, adaptando as lições às suas realidades e valores específicos. O que todos esses métodos têm em comum é o reconhecimento da importância de ensinar sobre dinheiro desde cedo, preparando as próximas gerações para um futuro mais seguro e estável financeiramente.

Adotar práticas bem-sucedidas de outros países pode ser benéfico para melhorar a educação financeira no Brasil. Iniciativas como Kakeibo podem ser adaptadas para incentivar a poupança e o planejamento financeiro entre as famílias brasileiras. Da mesma forma, integrar a educação financeira ao currículo escolar, como feito nos Estados Unidos, pode ajudar a criar uma base sólida de conhecimento financeiro desde a juventude.

Com essas estratégias, é possível promover uma cultura de responsabilidade financeira que beneficie tanto indivíduos quanto a economia como um todo, criando uma sociedade mais consciente e preparada para lidar com os desafios financeiros do futuro.

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